Quando criança, dizia que teria meu primeiro filho/a aos 24 anos. Não sei exatamente o porquê, mas o fato é que nessa época, em 2008, nossas vidas haviam nos levado para caminhos que não nos permitiam ousar pensar nisso. Após voltarmos de uma período no exterior no começo de 2012, havíamos nos planejado de engravidar, mas um contrato de especialização da Lia nos fez adiar o projeto por um ano. Após mais alguns meses de subterfúgios, por fim, em agosto de 2013, finalmente decidimos “deixar as coisas acontecerem”.
Pois, logo na primeira tentativa, lá estava a linha vermelha no teste de farmácia, que nos tirou o chão. A sensação era única, indescritível, cheia de entusiasmo. Saímos comprando livros de gestação, espalhando a nova mundo afora e aproveitando cada momento, euforicamente.
Nosso primeiro teste positivo, ainda na primeira gestação
Após uma viagem para o Rio de Janeiro, fomos a um exame de ultrassonografia de rotina e recebemos a notícia aterradora: aborto espontâneo retido, com 11 semanas. Ou seja, desespero, preocupação e insegurança.
Bem, após esse período do choque inicial, não fomos orientados por ninguém (a não ser que ser orientado seja o que nossa médica disse sem perguntar nosso nome: “eu não posso fazer nada, procurem um hospital, tchau!”). Acabamos em uma emergência de um hospital, internados para uma curetagem. Após 4 dias de internação, voltamos pra casa para reiniciar nossa rotina a dois (ou três, contando a Doralice Lambisgóia, nossa filha de quatro patas).
Trio parada dura
Aguardamos uma menstruação, obedecendo o sábio conselho da minha sogra de ingerir o “saúde da mulher” e algumas vitaminas, como o ácido fólico, por exemplo. Já em novembro reiniciamos o período de “deixar as coisas acontecerem”.
Como a Lia havia desencanado com tudo e levado a vida adiante, ela aplicou para um programa de doutorado e eu segui minha vida também. Em uma reunião, em uma “sexta feira 13”, de dezembro, percebi a publicação da aprovação da Lia no doutorado e liguei imediatamente para ela para contar a novidade. Só não esperávamos uma outra novidade ainda mais impactante.
No domingo, a Lia queixou-se de dor no seio e eu percebi que a menstruação estava atrasada em alguns dias. A Lia já havia percebido e desconversado, imaginando que poderia ser algo psicológico e que não deveríamos nos pressionar. Na segunda-feira, fomos a um espetáculo da Lia, onde haveria o encerramento das atividades didáticas da escola em que ela trabalhava. Logo após, saímos com os colegas professores para umas rodadas de cerveja e conversa fora.
Na terça, 17 de dezembro, a Lia estava querendo pintar o cabelo. Então, me largou na escola e se preparou para ir ao salão. Mas antes, para ter certeza, passou em uma farmácia e comprou dois testes. Fez e os dois deram positivo. Estava na aula e recebi uma mensagem em branco. Logo após a aula estava me preparando para ir a um concerto que participaria quando liguei, querendo saber da novidade, e ela me contou, ainda em choque, que estava grávida.
Exame de sangre: Aurora à caminho!
Senti um misto de alegria extrema, com temor e insegurança. Mas e agora?
A nossa primeira experiência de gestação nos ensinou a ter mais calma em lidar com tudo, mas ao mesmo tempo nos tranquilizou em alguns aspectos. Iniciava-se naquele momento a linda trajetória que nos trouxe a Aurora.
Ao retornarmos ao médico que realizou a curetagem na Lia para a revisão, já estávamos grávidos novamente. Mas qual não foi nossa surpresa quando, ao analisar nossa primeira ultrassonografia (que realizamos em dezembro em Porto Alegre, ainda com apenas 6 semanas), o médico nos afligisse enormemente, argumentando que nosso embrião estava bradicárdico, que talvez não se desenvolvesse, que era melhor não falar de parto ainda, etc. Já havíamos percebido desde então o grande problema que teríamos que enfrentar com os médicos e todo o sistema de “saúde” vigente.
Ainda na nossa primeira gestação, lembro-me bem de um episódio onde fomos visitar uma amiga e conversamos sobre parto. Havíamos já conhecido a Mansão do Caminho e apresentado o Centro de Parto Normal (CPN) para vários casais de amigas e amigos, e cogitávamos realizar nosso parto lá. Durante essa conversa, lembro-me da Lia dizendo que gostaria de fazer o parto em casa, etc. Minha reação foi a mais comum possível, diante do desconhecimento do movimento de humanização do parto. Respondi que julgava o CPN muito interessante, mas que achava o parto domiciliar uma atitude um tanto excessiva.
CPN: vale a pena conhecer
Logo após esse episódio, ainda na primeira gestão, fomos avisados por um casal de amigos (Amanda e Ráiden) que também pariram no CPN sobre a exibição do documentário “O Renascimento do Parto”. Fomos ao cinema Glauber Rocha, aqui em Salvador. Assistir a esse filme foi a porta de entrada para o movimento de humanização do parto e as diversas consequências boas de se ter um parto como evento familiar e doméstico.
Passei a ler diversos livros sobre parto, gestação, paternidade e me informar cada vez mais sobre o empoderamento da mãe, o respeito ao fisiológico, as diversas intervenções desnecessárias e os mitos da gestação.
Nosso processo com nossa filha querida foi muito prazeroso. Mas não foi só isso… Ainda lembro claramente da sensação que tive quando fomos realizar a ultrassonografia morfológica do primeiro trimestre, no mesmo período que descobrimos nosso primeiro aborto. Eu suava, minhas mão estavam geladas e sentia uma pedra no estômago. Entrei na sala com uma sensação de pânico, que contrastava com a tranquilidade da Lia. Ela sentia dentro de si aquele serzinho e estava certa de que estava tudo bem e que tudo daria certo. Dali em diante, esse foi o tom das minhas sensações em relação à gestação, sempre preocupado, sempre tenso, temendo pela saúde na nossa filha.
O aterrorizante 1º Ultrassom
Logo no começo da gestação já entramos em contato com nossa doula, a Ana Bolhousa. Recomendo a todas e todos que queiram engravidar que pensem seriamente em contratar uma doula para sua gestação. É imprescindível.
Nossos encontros eram sempre muito saborosos, conversávamos muito e nossa vontade de um parto humanizado só crescia. Mas esbarrávamos em um problema monetário que nos impedia de realizar um parto em casa. Além é claro de todas as questões que envolvem uma escolha como essa, envolta em uma névoa de ignorância e desinformação.
Até que um belo dia, Ana nos convenceu de visitarmos a Dra. Sônia Sallenave no CPN para uma conversa. Fomos até lá e ela nos recebeu com um lindo sorriso no rosto e uma energia tão, mas tão encantadora que saí de lá certo de que teríamos que fazer o parto em casa. Não importava como, daríamos um jeito. A Aurora não merecia que abríssemos mão disso. Como a Lia já estava convicta, foi uma decisão fácil. Ainda visitamos a Dra. Camila (Dra. Marilena já estava com a agenda cheia) antes de batermos o martelo no parto domiciliar com Dra. Sônia.
Nesse momento do meu relato já deu pra perceber que anulei as consultas de pré-natal que fizemos com nosso médico “fofo”. Mas cabe contar que encontramos um médico do nosso plano para tentar economizar um pouco nas consultas. Esse médico nos tranquilizou em muitos aspectos e fazia boas consultas de pré-natal. Mas nunca comentava nada sobre parto, muito menos sobre parto normal. Até que um dia, tranquilamente, sem tom de ameaça ou enfrentamento, perguntei: “Doutor, gostaríamos de fazer um parto normal, o que o senhor pensa disso?”. Obviamente, ele nos deu a resposta padrão: “pois, é o normal, se estiver tudo bem, por que não?”. Essa famosa inversão: faremos normal “se”, ao invés de, “não” faremos normal “se”. Eu ainda estava querendo perguntar ao médico qual o seu percentual de cesáreas, mas a Lia me convenceu a não enfrentá-lo desnecessariamente, já que havíamos mudado para a Dra. Sônia.
Aurora 50% loading
A nossa última etapa foi confirmar a Carol Lube, como fotógrafa e a Tanila Glaeser como enfermeira obstétrica. Havia apenas um senão: a Dra. Sônia estaria viajando entre os dias 28 e 31 de Agosto, e a nossa Aurora tinha data provável de parto para o dia 20 de agosto.
Esse momento final de gestação é bastante complexo para a mãe, que precisa se reorganizar com um bebê preso à barriga, a dificuldade de mobilidade, as poucas horas de sono, enfim, um turbilhão de emoções e de alterações no corpo. Mas os palpites é que são o mais difícil de lidar: palpites sobre o que comer, o que fazer, sobre parto, sobre tudo, tudo, tudo. E é claro, palpites sobre quando ela nascerá. Todos tentaram e todos erraram, a Aurora veio ao mundo para nos ensinar que devemos fazer as coisas no tempo dela, e que ela gosta de contrariar a todos.
Status da gestação: “andando que nem pinguim”
Ainda em julho, fui ao Rio Grande do Sul para o casamento da minha irmã, e a Lia já não podia viajar de avião. Então, minha sogra Leila veio para Salvador para ficar com a filha por um final de semana. Mas a convencemos de ficar para o parto, imaginando que a gestação não duraria 42 semanas, já que as gestações da minha sogra nunca chegaram a pós-termo. Aliás, minha sogra exerceu um papel fundamental no parto e temos muito a agradecer…
Mas deixe estar, a Aurora queria as coisas do jeito dela. Dito e feito: na madrugada de 27 para 28 de Agosto, ou seja, no dia em que nossa médica viajaria, a Lia começou a sentir os pródromos (que são dores de parto sem trabalho de parto, ou seja, contrações de treinamento fortes, mas ainda inconstantes). Acordei no meio da madrugada e ela não estava ao meu lado, pensei que estava no banheiro e tornei a dormir. Na manhã seguinte ela me contou: “Gui, comecei a sentir as contrações”. Prontamente, avisamos a Ana e começamos a preparar a casa para a vinda da equipe, já que já havíamos preparado para a chegada da Aurora (comprar lanchinhos, colocar plástico na cama e nos travesseiros, preparar tudo, enfim).
Arrumando a casa para a chegada da nossa Aurora
Na madrugada de quinta para sexta (29), acordei novamente no meio da noite, percebendo que a Lia não estava na cama. Fui até a sala e lá estava ela suando frio no sofá, com contrações dolorosas mas ainda inconstantes. Esquentei uma fralda e conversamos para voltar pra cama, tentar dormir à base de cafuné. Tanila, nossa enfermeira, nos aconselhou tomar um buscopan para tentar aliviar a dor.
Na sexta pela manhã, recebemos a Ana, que conversou conosco, fez uma dinâmica sobre a dor e a nossa tolerância a ela, e nos tranquilizou. A Lia foi descansar e eu fui a uma reunião de trabalho. No caminho, consegui falar com um acupunturista indicado pela Carol, o Dimitri Marques, que recomendo muito.
Marquei para o mesmo dia e fomos nós quatro, Lia, Aurora, minha sogra e eu. Além de ajudar a Lia na dinâmica do parto e na diminuição da dor, o Dimitri conseguiu remover a dor que tive, decorrente de uma contratura na coluna que me havia tirado muitas noites de sono (agora eu estava pronto para o parto!). A dor da Lia parecia ter melhorado, tanto que saímos para jantar. Mas logo ao chegar em casa, a dor voltou intensa, ainda inconstante. Nessa noite, várias vezes ela teve que ir ao chuveiro com a bola de pilates para que a água quente pudesse ajudar a suportar a dor e relaxar.
Na manhã seguinte, fizemos um chimarrão e fomos ao Passeio Público com a Dora, para que ela pudesse gastar uma energia. Almoçamos e no começo da tarde voltamos ao Dimitri para a segunda intervenção com as agulhas. Ao ser questionada pelo Dimitri se queria estancar a dor ou desenvolver a dinâmica do parto, a Lia pediu para que ele tentasse equilibrá-la para que a Aurora pudesse vir tranquilamente.
Voltamos pra casa, jantamos e, durante a janta, percebi que as contrações estavam mais próximas e regulares. Cuidei discretamente no relógio e percebi que estavam em 2 ou 3 a cada 10min. Ao final, já queixando-se bastante de dor, sugeri à Lia que fosse ao chuveiro com a bola. Fomos e pedi a ela que me avisasse para que eu pudesse fazer algumas dinâmicas de contração. Durante 40min ela teve 3 contrações a cada 10min. Mas ela ainda não acreditava que estava em trabalho de parto. Provavelmente as três noites quase sem dormir por conta das contrações a haviam feito ela desconfiar de todo o processo.
Contei à Lia sobre as 3 contrações a cada 10min e ela ponderou que ainda que não era nada. Insisti um pouco e ela sugeriu ligarmos para Ana e comentarmos a situação. A Ana então disse que estava em uma janta (era por volta de 21h) e que pegaria um táxi e viria nos ver. Ela sugeriu que instalássemos um aplicativo de celular para monitorarmos as contrações enquanto ela não chegava.
Quando a Ana chegou, a Lia já havia saído do chuveiro e as contrações estavam ainda regularizando, alternando entre 2 e 3 contrações a cada 10min. Mesmo com a chegada da Ana, a Lia ainda não demonstrava acreditar no trabalho de parto, inclusive não nos deixando montar a piscina no nosso quarto. Após conversarmos, ela topou que montássemos a piscina para que ela pudesse descansar.
A Dora me ajudando a montar a banheira
Minha sogra e eu começamos então o processo. Ela colocou as panelas com água no fogo, eu enchi a piscina com nossa bomba elétrica e instalei a mangueira no nosso chuveiro. Eram 1h da manhã quanto a Lia entrou na piscina e ficamos só nós três (Lia, Aurora e eu) no quarto. As contrações foram pouco a pouco aumentando em intensidade e ficando mais regulares. Perto das 3h, as contrações se intensificaram a 4 e 5 a cada dez minutos e a Ana começou a ficar preocupada com a dinâmica acelerada do parto. Então, ela ligou para a Tanila para pedir que viesse, temendo um desfecho desassistido.
Feito isso, logo após, liguei também para Tanila para combinar as questões de estacionamento no nosso condomínio e mencionei que estacionasse na entrada do prédio e que conversasse a Dra. Marilena para nos avisar quando chegasse (a Dra. Marilena substituiu a Dra. Sônia nesse dia, por conta da sua viagem). Nesse momento, provavelmente a Tanila pensou em facilitar as coisas e combinou com Dra. Marilena de que todas viriam juntas, Tanila, Carol e Marilena. Perto das 4h30 estava toda a equipe na nossa casa.
Quando todas chegaram e foram ver a Lia, foi nítida a preocupação dela com a nossa casa cheia e a sua desconfiança em relação ao processo. Em meio a tudo isso, eu já estava cansado (não obedeci a dica da Ana de descansar entre uma contração e outra e continuei com minha jarra derramando água sobre a barrida da Lia) e ao mesmo tempo confiante nas minhas meninas.
A gente na primeira noite, com muito ainda por vir
Mas o que poderia ser motivo de segurança, talvez tenha sido motivo de preocupação: as contrações começaram a diminuir e a dinâmica foi ficando mais esparsa. Talvez o tiro tenha saído pela culatra.
A equipe aqui em casa: uma imagem de toda a tensão e agonia de um trabalho de parto
Já amanhecendo, preparamos um café para toda a equipe e Tanila sugeriu que todos fossem pra casa para descansar, mantendo atenção total à dinâmica, esclarecendo que ela estava em trabalho de parto e não deveria se preocupar quanto à isso.
A equipe aqui em casa, já pela manhã: a Ana no centro, sempre uma boa conversa
Fui descansar e a Lia se secou, saiu da banheira, comeu algo e ficaram todos conversando na sala por algum tempo. Aconteceu nesse momento um episódio hilário: a Ana propôs à Lia que subissem as escadas para tentar ajudar no trabalho de parto, imaginando que em dois ou três andares ela pediria para parar. Mas o que aconteceu é que, depois de sete andares subindo, a Ana não aguentava mais e a Lia ainda estava pronta para subir o restante dos andares… Por fim, todos foram pra casa e ficamos por aqui, tentando descansar.
Será que ela consegue subir as escadas?
No final da tarde, Ana voltou, conversamos um pouco e ela sugeriu que déssemos uma saída de casa. Fomos até a Barra, caminhar um pouco. Molhamos os pés na água, namoramos, relaxamos um pouco e voltamos pra casa. Na volta, ainda no carro, Ana nos contou que a Dra. Sônia já estava de volta e nos perguntou quem preferíamos que assistisse o parto: Marilena ou Sônia. A Lia, um tanto reticente, disse que preferia a Dra. Sônia, mas que deixaria essa decisão para a equipe. Tomamos um café com pão quentinho, a Ana foi embora por volta das 23h e fomos tentar descansar.
Já era perto da meia noite quando fomos pra cama. Mas por volta da 1h a Lia já me cutucou e disse: “elas estão voltando”. Mas dessa vez ela me pediu que não acordasse ninguém, que montasse a piscina enquanto ela ficava no chuveiro, e que avisasse a Ana. Liguei pra Ana, que pediu que tentássemos descansar, o que ela também faria. Pediu também que mandasse uma mensagem para Tanila, avisando que as contrações estavam voltando. Ficamos apenas nós três (Lia, Aurora e eu) dessa vez, aproveitando para descansar entre uma contração e outra.
Na segunda noite, ficamos só nós três no quarto, num clima íntimo e tranquilo
Por volta das 5h30, a Lia me chamou e disse: “estou ficando preocupada com a Aurora, chame a Tanila, precisamos examinar ela”. Liguei então para Ana e Tanila, que já estava vindo. Quando a Tanila e a Carol chegaram, perto das 7h, a Lia já estava extenuada com mais de 30h de trabalho de parto.
Examinando a Aurora
Um conversa simples – quando elas pediram que a Lia se entregasse para a dor, soltasse tudo o que a incomodava e deixasse o processo se desenvolver – foi decisiva para fazer a Lia se empoderar ainda mais do seu parto. Ela perguntou se a Lia queria acupuntura para tentar frear o parto, ou mesmo para acelerar, ou ainda se queria fazer um exame de toque. Ela esclareceu que o toque naquele momento era clinicamente irrelevante, uma dilatação pequena não significava trabalho no início, assim como dilatação grande não significaria o final.
Tanila: um doce de pessoa, competente e serena, conversando conosco sobre as possibilidades
Era 7h30 quando a Lia finalmente se transformou. Nesse momento, brinquei que ela tinha começado a virar uma leoa. E foi mesmo. Ela gritava quando tinha que gritar, sentava quando precisava sentar, ficava de cócoras quando tinha de ficar, e deixou as coisas acontecerem, assumindo o parto pra ela, deixando de tentar controlar tudo. E como ela ficou linda naquela piscina, forte, intensa, corajosa, empoderada, lidando com a dor e a delícia de trazer a Aurora ao mundo!
A Lia transformada: linda e empoderada!
Em breve ela nos disse que precisava fazer força, um bom indício da transição no parto. Tanila instruiu que ela deveria fazer o que tivesse vontade e que tentasse aos poucos tentar se tocar para sentir como as coisas andavam. Era perto das 9h quando ela começou da dar claros sinais de transição e a Tanila ligou para Dra. Sônia.
Logo após, a Lia começou a sentir que a Aurora estava descendo e começou a dizer que estava sentindo a cabeça da Aurora. Em um momento, que curiosamente ela não lembra de ter ocorrido, ela me chamou e perguntou: “tu quer sentir ela?”. É claro que disse que sim e ela pegou minha mão e me fez tocar na cabeça da Aurora. A Tanila perguntou à Lia se era uma sensação de algo mole ou duro. “Duro”, respondeu sem pestanejar. “Mas não é a bolsa, não é mole?”, retrucou a Tanila. “Não, é a cabeça”, confirmou a Lia. Logo após, a Carol me perguntou: “Duro ou mole?”. Sem tanta certeza quanto a Lia, pensei e disse: “duro, parece a cabeça dela”.
Percebendo a chegada da Aurora
Percebi que logo após houve uma movimentação e que todos montaram uma série de bugigangas médicas no nosso quarto, que, ainda bem, não foram usadas.
Por volta das 10h, saí para manobrar os carros, já esperando a chegada da Dra. Sônia. Ela chegou quando eu estava acabando as manobras. Subimos juntos. Ao entrar no corredor, ela parou hesitante na porta do quarto. Nunca mais vou esquecer o semblante iluminado, aliviado e feliz ao mesmo tempo, que foi sublinhado por um sorriso no rosto lindo da Lia, sentindo a Aurora quase chegando.
A chegada da Dra. Sônia
A Dra. Sônia me perguntou se senti e em que profundidade estava no dedo, ao que respondi na altura da primeira falange. Ela ficou com ar de surpresa e perguntou à Lia se podia tocá-la para ver como as coisas estavam.
Por volta das 10h15 ela notou a cabeça da Aurora e disse: “ela está aqui, ela está aqui… vocês nem perceberam a bolsa romper na água!”. Ficamos todos radiantes, por perto, esperando tudo se desenvolver. Uma outra cena não sairá da minha cabeça: em um determinado momento, minha sogra sentou na cama e a Lia foi até ela. Ficaram lá, as duas, com minha sogra mexendo nos cabelos da Lia, chorando, de emoção, alívio e orgulho da escolha corajosa e empoderada da filha.
Um dos momentos mais emocionantes do parto: conexão mãe-filha-neta
Por volta das 10h30 elas pegaram uma lanterna e um espelho e perceberam a Aurora coroada (era a hora do círculo de fogo, tão temido, que foi motivo de piada da Lia nessa hora). Nesse momento, senti um misto de alívio e ansiedade pela antecipação do que iria acontecer, sempre confiante nas minhas meninas.
A Aurora coroada
Foi quando Dra. Sônia disse: “Lia, preciso que você faça uma força longa, contínua, comprida”. Dito e feito, ela aguardou a pausa entre um puxo e outro para tomar força e, quando veio uma nova contração, expulsou a Aurora inteira de dentro do ventre, de uma só vez.
Uma forma longa, comprida e contínua nos trouxe a Aurora ao mundo
A sensação que senti nesses poucos segundos ficará na minha memória para sempre, não tenho dúvida. A intensidade daquele sentimento é indescritível, tão intensa e ao mesmo tempo sutil. Lá estava ela, meses, anos de espera e tínhamos a criatura mais linda e esperada do mundo nos nossos braços. 3.935Kg e 52cm plenos de entusiasmo e alegria, com o perdão do clichê. E nesse lugar indescritível estávamos nós três, e parecia que não havia mais nada no mundo, e parecia que não havia espaço no mundo para o que estávamos experimentando, de tão grande que isso parecia.
O momento da sensação mais indescritível do mundo
Logo que a Aurora veio ao mundo ela abriu o olhinho e fitou a mãe profundamente. A conexão delas foi imediata, forte, intensa. Em breve ela já estava mamando. Quando a Lia pegou ela no colo, cochichou baixinho: “filha, a gente te ama, tu não imagina como tu foi esperada”. Ficamos ali algum tempo ainda, aproveitando aquele momento mágico.
Mãe e filha, uma conexão transcendental
A equipe pediu que não avisássemos as pessoas até que a placenta nascesse também. Avisei nossos pais e os padrinhos, enquanto a Lia se acomodava na cama para que a placenta nascesse. Mas esse processo também foi bastante demorado. Passada mais de uma hora e a placenta não saía. A Dra. Sônia e a Tanila precisaram realizar uma série de manobras para poder retirar a placenta, já cogitando a ida a um hospital. Quando a placenta finalmente saiu, a Lia caiu em um choro copioso, que depois entendemos que vinha do medo de precisar ir ao hospital e ter que entregar a Aurora.
A placenta
Após isso, a Tanila examinou a Aurora, limpamos e vestimos ela para que pudéssemos ficar juntos enquanto a equipe cuidava da mais nova mamãe. Apresentei a ela o seu quartinho, conversamos, nos entendemos até que ela caiu no sono no meu colo. Ficamos lá, no quartinho, na cadeira de amamentação, nos conhecendo.
Nos conhecendo e conhecendo seu quartinho
A experiência da paternidade e a opção pelo parto domiciliar, humanizado, respeitoso, tem me transformado profundamente. Tenho percebido o poder da sutileza, da delicadeza, que explodem dentro da gente. Foi assim que percebi essa experiência, e foi assim que compus as duas músicas que fiz para a Aurora (Boreal I e II). Agradeço à Lia por ter me proporcionado essa linda estória, por ter insistido e me mostrado esse caminho tão lindo. E ela ficou cada vez mais linda como gestante, durante o parto, como uma leoa, e agora como mãe. Me sinto mais completo, cheio de entusiasmo e acreditando cada vez mais na humanização do parto.
Felicidade extrema, alívio e transcendência em uma única imagem
Temos uma linda estória pra contar…
Nossa família: aproveitando os primeiros momentos juntos
A Aurora nasceu às 10h44 do dia primeiro de setembro de 2014, às portas da primavera, na água da piscina instalada no nosso quarto em Salvador. Ela e sua mãe foram respeitas do início ao fim do parto, foram donas desse momento único. É importante dizer, nossa competentíssima equipe foi: Dra. Sônia Sallenave e Dra. Marilena Pereira (médicas obstetras), Tanila Glaeser (enfermeira obstétrica), Ana Boulhosa (doula) e Carol Lube (fotógrafa). Recomendo fortemente todas elas, mulheres empoderadas, fortes, delicadas, gente boa e, acima de tudo, muito competentes!
Nossa (maravilhosa, competentíssima) equipe
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